domingo, 20 de janeiro de 2013

SAMUEL CELESTINO: SEPULTARAM A CULTURA BAIANA

BELÍSSIMO ARTIGO ESCRITO POR "SAMUEL CELESTINO" SOBRE A DECADÊNCIA DA RICA E PLURAL CULTURA BAIANA EM RAZÃO DO MARASMO DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS QUE SÃO MANTIDAS PELO NOSSO IMPOSTO, CUJA CARGA NÃO É PEQUENA, E POUCO FAZEM PARA A SUA PERPETUAÇÃO.

SAMUEL, FICA TAMBÉM O REGISTRO SOBRE O NOSSO LEGADO CULTURAL NÁUTICO, REPRESENTADO PELOS SAVEIROS E SUAS VARIANTES, ALÉM DA HISTÓRIA DA COMPANHIA DE NAVEGAÇÃO BAHIANA, RELEGADOS A ESCÓRIA PELA INSENSIBILIDADE DAQUELES QUE DEVERIAM ZELAR POR ESSES ACERVOS DOCUMENTAIS E NÃO O FAZEM.

O ÚNICO EVENTO, REALIZADO PARA TENTAR RESGATAR O SAVEIRO COMO UM BEM HISTÓRICO É A REGATA "JOÃO DAS BOTAS" MANTIDA PELA MARINHA DE GUERRA DO BRASIL, SEM UMA COLABORAÇÃO MAIS DENSA POR PARTE DO GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA E PREFEITURA DE SALVADOR.

ESPERAMOS, QUE O PREFEITO ACM NETO, EM SEU DINAMISMO, VENHA EXIGIR DE SEUS AUXILIARES ATITUDES QUANTO AO REGASTE DO NOSSO PASSADO NÁUTICO, A COMEÇAR COM APOIO A ESSA REGATA DE SAVEIROS E ESCUNAS.


JOSEMAR



VEJAM O ARTIGO, A SEGUIR:

Coluna A Tarde: Sepultaram a cultura

                                                       
Coluna A Tarde: Sepultaram a cultura
A decadência do ciclo de festas populares da Bahia, como pode ser observada ano após ano, pode ter como marco a Lavagem do Bonfim. Trata-se de um nítido reflexo do desleixo dos governos, estadual e municipal, em relação à política cultural que, praticamente, inexiste, em especial na capital. Do ciclo de festas resistem a Lavagem e o Dois de Fevereiro, em homenagem a Iemanjá, no Rio Vermelho. As demais quase não são lembradas.  A começar pela festa de Santa Luzia, em quatro de dezembro, seguindo-se a da Conceição da Praia; a de Monte Serrat, onde o povo costumava estar presente para a virada do ano e, muitas vezes, esperava pela saída da Galeota “Gratidão do Povo”, levando a imagem do Nosso Senhor dos Navegantes para a Igreja da Conceição. Esqueçam a festa de Reis, na Lapinha. Está viva, como disse, a Lavagem do Bonfim, mas a festa na Colina ficou no passado. Saudades para a festa da Ribeira. A de Iemanjá, como salientado, mantém-se. Outras de bairros, como a da Pituba, morreram. A de Itapoan resiste, mas distante do que já foi.
 
Estão ainda, é certo, no calendário, mas em total decadência. Perderam a pujança popular. O ciclo de festejos, acima citado, seguramente está incompleto. A festa da Lavagem do Bonfim se transformou num mero acontecimento de exibição dos políticos, de tal modo que são eles que agora marcam o horário do início do cortejo, quando, antes, isso ficava por conta das baianas, com roupas belíssimas, carregando potes com água de cheiro para a lavagem do adro da Igreja. Seguiam-se carroças ornamentadas, os fiéis, o povo de santo, enfim, quem desejava se divertir na Colina do Bonfim, marco de chegada. Certa feita a Igreja Católica pretendeu - e não conseguiu - acabar a lavagem por considerar que a festa ganhara conotações profanas, num claro desconhecimento do sincretismo religioso do povo baiano.

Esse ciclo de festas dava – porque não dá mais – uma conotação diferenciada à Cidade da Bahia, como está nas obras de Jorge Amado. Atraia visitantes de várias partes  e contribuiu, e muito, para que Salvador fosse reconhecida como um dos principais polos turísticos do País, hoje também decadente pela indiferença, ou falta de apoio das gestões municipal e estadual. Na verdade, já foi detentora de uma cultura riquíssima, incluindo o Recôncavo, com o seu samba de roda e outras expressões culturais enraizadas no povo. Tudo isso está a se perder, e não é de agora. É um processo lento, que se acentuou nas últimas décadas sem que houvesse manifestação governamental.

Até as igrejas que se concentram com mais intensidade e beleza na cidade velha, ou centro histórico, são decadentes. Um bom número delas sofreu saques de ladrões de santos e de peças sacras de valor. Estão hoje fechadas, sem que o povo tenha acesso, por falta de segurança. No início da gestão, a primeira, de Antônio Imbassahy, ele pretendeu resgatar tradições católicas. Conversamos a respeito e a este assunto dei a visibilidade que estava ao meu alcance na imprensa.
 
Tratava-se de resgatar a prática que vinha da época da construção dos templos, que resumia num projeto pequeno, mas, mesmo assim, encontrou barreiras intransponíveis. A ideia era ressuscitar a prática de, às seis horas da tarde, ou hora da Ave Maria. As igrejas, pelo menos as do centro histórico e das proximidades do centro, tocariam os seus sinos ao mesmo tempo, convocando os fiéis católicos à oração, mesmo que não fossem à reza. Embelezaria a velha Salvador com o som dos sinos que, também, perderam o seu significado. O então prefeito se deparou com um aspecto inimaginável: o projeto era inexequível porque já não havia sineiros nas igrejas. Os que existiam eram poucos. A ideia morreu por aí.

Retornando ao ciclo de festas populares, a pergunta que se faz é para que servem as secretarias de cultura, estadual e municipal. Há acontecimentos culturais nesta cidade que sejam, aos que aqui habitam, possível frequentar? Não. Definitivamente, não!  No primeiro quatriênio de Jaques Wagner a cultura desapareceu, enquanto se engabelava falando-se em “nova política de interiorização da cultura”. Interiorizar o quê, se o que aqui existe está morrendo? A cultura assim foi banida da capital (como o grupo de balé do Teatro Castro Alves), e no interior não chegou. Perdeu-se em razão da total falta de competência do então secretário. Foi afastado do cargo nas mudanças feitas por Wagner para o segundo quatriênio. Deveria ter sido antes, como sinalizou a primeira-dama Fátima Mendonça, ao declarar que “a mudança de pneu poderia ser feita com o carro andando”. Declaração publicada no jornal da Metrópole.
 
Já a prefeitura municipal esqueceu o significado de cultura nos oito anos de João Henrique, com o descalabro da Fundação Gregório de Matos. Agora, abrem-se esperanças com o novo governo municipal. Espera-se que não misture o significado do que seja cultura com entretenimento. Isso se encontra nos shows como os que no momento acontecem no Festival de Verão, ou em outros entretenimentos semelhantes.
  
A Lavagem do Bonfim, razão desse comentário, passou a ser “festa de exibição de políticos”, para aplausos e vaias. Assim como já acontece, também, com os festejos do Dois de Julho. A festa passou a ser deles, porque a do Bonfim, a da Colina do Bonfim, não acabava nem iniciava com a lavagem do adro da Igreja. Essa já não existe, a exemplo das demais. O que ficou virou palanque para declarações políticas desastradas, patéticas e incompetentes.
 
Se os políticos se utilizam daquilo que já foi do povo, os governos que eles compõem têm a obrigação de devolver o aspecto cultural que está, ou esteve, nas raízes do ciclo de festejos da cidade. Mas não apenas isso. Salvador e a Bahia, de maneira geral, se tornaram pobres nesse aspecto. Os gestores sepultaram a cultura baiana em cova rasa.

*Coluna de Samuel Celestino publicada no jornal A Tarde deste domingo (20 de janeiro de 2013)

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